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CITAÇÃO ELETRÔNICA: a alteração promovida pela lei 14.195/2021.

A citação é o ato processual pelo qual se dá conhecimento da demanda ao citando (réu, executado, etc) e o convoca a juízo. É, portanto, condição de eficácia em relação ao réu e validade para os demais atos do processo[1].

Trata-se de instrumento essencial para o prosseguimento de uma demanda, é a partir dela que o réu toma conhecimento da existência de um processo, inicia a contagem de prazo para apresentação de sua defesa e pode exercer direitos e deveres como sujeito processual.

O ato de citação durante muito tempo teve como principais formas de efetivação o envio de correspondência por correio, a expedição de mandado por oficial de justiça e a divulgação por edital.

Em decorrência das mudanças significativas na estrutura de trabalho do Poder Judiciário, e de seus auxiliares, e das exigências de automatização e inclusão de meios tecnológicos no processamento dos processos nos tribunais, em 26 de agosto de 2021, foi promulgada a lei nº 14.195, fruto da Medida Provisória n. 1.040 de 29 de março de 2021, que fez mudanças importantes no código de processo civil, visando impactar positivamente na posição do país no ranking do relatório Doing Business do Banco Mundial, segundo exposição de motivos da referida medida provisória[2].

Apesar das discussões em torno da inconstitucionalidade formal das mudanças promovidas pela Medida Provisória n. 1.040/2021 no direito processual civil, em razão da violação ao art. 62, §1ª, I, b, da CF[3], o objetivo desse artigo é enfrentar a aplicação das normas referentes à citação eletrônica, incluídas ao Código de Processo Civil.

Entre as principais mudanças, o art. 246, caput, do CPC foi alterado para prever que a citação será preferencialmente efetivada por meio eletrônico de acordo com dados indicados pelo próprio citando (ou por convenção processual[4]) na plataforma do Poder Judiciário, regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ressalta-se que dentre as interpretações possíveis em relação a essa citação eletrônica prevista pela lei n. 14.195/2021, a melhor lógica é a utilização do endereço eletrônico (e-mail), meio de comunicação em tese mais seguro que outras plataformas como, ex. whatsapp, inclusive em razão da importância desse ato).

Por essa razão, tem-se levantado comparações em relação à previsão do art. 9º da lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, permitindo a realização de comunicações e intimações por meio eletrônico (realizadas por meio de sistemas como E-sal, PJE, etc).

Ocorre que essa previsão não foi muito efetiva. Diante da ausência de um aparato nacional unificado de dados eletrônicos, esse meio de citação se restringiu apenas as pessoas jurídicas diretamente relacionadas com os tribunais, sendo seu principal expoente as Fazendas Públicas[5], não sendo bem recebido entre os demais sujeitos processuais, como pessoas físicas e jurídicas.

Diante da alteração, há quem entenda que, na verdade, a citação eletrônica prevista no art. 246, §1º, do CPC, que determina que as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos para fins de recebimento e citação efetivadas preferencialmente por esse meio, se refere a mesma citação eletrônica prevista no art. 9º lei 11.419/2006[6]. Isto quer dizer que para as pessoas jurídicas públicas e as empresárias, as quais são obrigadas a manter cadastrado atualizado nos sistemas de processos eletrônicos, as citações ocorrerão por meio desses sistemas e não por correio eletrônico.

Contudo, a ausência de obrigatoriedade de realizar cadastro nos sistemas de processo eletrônico para as pessoas físicas e as jurídicas não empresárias inviabiliza que as citações sejam preferencialmente realizadas pelo portal eletrônico, de modo que para elas se aplicará o caput do art. 246, reafirmando a preferência de receber os atos citatórios por correio eletrônico (e-mail) cadastrado no Poder Judiciário de acordo com a regulamentação do CNJ.

Assim, é de verificar que persistem em nosso sistema atual duas modalidades de citações por meio eletrônico: a prevista no art. 246, caput, do CPC (incluída pela lei. n. 14.195/2021) e a prevista no art. 9º da lei 11.419/2006, reafirmada pelo §1º, do art. 246, do CPC. A aplicação de cada uma delas dependerá dos sujeitos processuais envolvidos no caso concreto, servindo a primeira para as pessoas físicas e jurídicas não empresárias, que não possuem obrigatoriedade de manter cadastros no sistema de processos eletrônicos e a segunda para as pessoas jurídicas de direito público e as privadas empresárias que são obrigadas a ter cadastro no portal eletrônico (exigência corroborada pelo TRF4[7]).

A mesma interpretação do §1º, do art. 246, do CPC, deve ser aplicada às microempresas e as pequenas empresas que não tenham endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – Redesim (art. 246, §5º), uma vez que haverá o compartilhamento de seus dados com o Judiciário, respeitado o sigilo fiscal e o tratamento de dados pessoais (art. 246, §6º). As empresas que possuem cadastro na Redesim receberão as citações por meio deste sistema (caixa de e-mail).

Ainda cabe ressaltar que a preferência da lei n. 14.195/2021 pelo correio eletrônico não inviabiliza demais comunicações por meio de Whatsapp, telegram, etc. Ademais, essas comunicações por meio eletrônico podem ser realizadas mesmo se referirem a processos que ainda tramitem por autos físicos[8].

Nesse contexto, o importante é verificar que a alteração trazida pela lei busca desburocratizar o sistema de comunicações de atos processuais (citações e intimações), de modo que a melhor lógica é permitir a forma mais eficiente para a efetivação do ato no caso concreto. Pode-se pontuar, por exemplo, que em determinados grupos de pessoas, a utilização de endereço eletrônico pode ser precária e ineficiente, sendo muito mais efetivo encontrar alguém por whatsapp, meio extremamente difundido e de fácil acesso no Brasil.

Em razão da vigência dessas duas leis em nosso sistema de citações, têm-se a concomitância de dois regimes de contagem de prazo, em decorrência dos incisos V e IX do art. 231 do CPC. Enquanto o inciso V prevê que o prazo da citação eletrônica se inicia no dia útil seguinte à consulta do teor da citação ou da intimação ou ao término para essa consulta (10 dias, de acordo com o art. 5º, §3º, da lei 11.419/2006); o inciso IX determina que o prazo da citação realizada por meio eletrônico se inicia no 5º (quinto) dia útil seguinte à confirmação, sendo que a parte tem o prazo de 3 (três) dias para §1º-A, do art. 246, também incluído pela lei n. 14.195/21.

A melhor interpretação para a utilização dessa contagem de prazo deve seguir a forma do ato citatório. Assim, caso seja realizado com base na lei n. 11.419/2006 e no §1º do art. 246, para pessoas jurídicas de direito público e empresárias, deve-se aplicar o prazo inicial previsto no inciso V do art. 231 do CPC. Agora, caso seja efetivada com base no caput do art. 246 (pessoas físicas e pessoas jurídicas não empresárias) e pelo sistema da Redesim, deve-se aplicar o inciso IX do art. 231, inclusive diante da maior segurança que o prazo mais longo permite para aquele que é citado por e-mail.

Em relação ao processo regulado na lei 14.195/2021 sobre a citação eletrônica, cabe salientar que esta será efetivada no prazo de 2 (dois) dias úteis após o despacho citatório. Na ausência de confirmação pelo citando no prazo de 3 (três) dias, o §1º-A, do art. 246, dispõe que a citação será realizada pelos outros meios (ex. pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria e por edital).

O §1º-B, do art. 246 do CPC, impõe a obrigação de o citado na primeira oportunidade de comparecimento aos autos informar as razões (justa causa) de não ter respondido ao recebimento da citação eletrônica. Caso assim não o faça, será considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sujeito à multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, nos termos do §1º-C, do art. 246 do CPC.

Para validade da citação eletrônica, a legislação exige que seja acompanhada de orientações claras para que o citando possa confirmar o seu recebimento e de código identificador que permita a confirmação da identidade do citando na página eletrônica do órgão judicial.

As citações eletrônicas só não serão realizadas nas hipóteses do art. 247 do CPC, quando, por exemplo, envolver ações de estado, o citando for incapaz ou pessoa de direito público, ou caso o autor, justificadamente, requeira de outra forma. Além disso, observa-se que esse meio também não deve ser realizado quando se verificar que a localidade em que a pessoa reside não seja atendido pela rede de internet ou tenha limitação de acesso à internet para consulta frequente ao e-mail.

Referências:


[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. V. 1.20 ed. Salvador: Ed. JusPodvim, 2018, p. 701.

[2] Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 1.040 de 2021. Disponívels em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2021/medidaprovisoria-1040-29-marco-2021-791205-exposicaodemotivos-162737-pe.html>. Acessado em 03 de out de 2021.

[3] Vide “Manifestação do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP)”. Disponível em: https://www.direitoprocessual.org.br/manifestacao-do-ibdp-sobre-a-lei-n-14195-de-26-de-agosto-de-2021.html. Acessado em 03 de out. de 2021.

[4] Conforme proposta de CABRAL, Antonio do Passo. Disponível em:<https://t.me/transformacoesnoprocesso>. Acesso em 11 de set. de 2021

[5] NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. Lei nº 14.195/2021: a nova citação eletrônica através do legal desing. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-set-03/opiniao-citacao-eletronica-atraves-legal-design. Acesso 27 de set. 2021.

[6] AVELINO, Murilo. Impressões iniciais sobre as alterações no código de processo civil em razão da lei n. 14.195/2021. Disponível em: https://www.academia.edu/s/ff2dd58fa6?source=link. Acesso em 18 de set. de 2021

[7] Portaria Conjunta da Presidência e da Corregedoria do TRT4 nº 1.508 de 9 de junho de 2021. Disponível em:< https://www.trt4.jus.br/portais/documento-ato/1060708/atualiza%C3%A7%C3%A3o%20legislativa%20junho%202021.pdf>. Acessado em 03 de out. de 2021.

[8] Conforme proposta de CABRAL, Antonio do Passo. Disponível em:<https://t.me/transformacoesnoprocesso>. Acesso em 11 de set. de 2021

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